Tuesday

Mata Ratos - Entrevista 2008

1 – Descreve os processos de composição e gravação deste novo disco “Novos Hinos Para A Mocidade Portuguesa”.
A composição em Mata-Ratos é um processo fluído ou melhor, caótico. Os temas e as letras vão aparecendo á medida que a nossa inspiração ou estado de embriaguez o permitam. Nunca escrevo uma letra a pensar em determinada música ou a banda nunca compõe uma música a pensar numa letra que já esteja escrita. Há uma série de letras previamente escritas e quando surge uma nova música verifico se alguma do repositório se pode encaixar. Acontece é a música e a letra música se alterarem em função uma da outra. Nunca permanecem com a sua estrutura inicial, como um mau vinho vão sendo “marteladas”. A excepção a este método de composição foi o tema “Trilogia Portuguesa” pois partiu de um desejo comum de todos os elementos em fazer um tema com uma cariz mais tradicional. Escrevi a letra e a música foi feita pelo Tiago a pensar na mesma. A intenção era algo como uma marcha popular mas estranhamente acabou por soar a Tuna o que significa que não temos a mínima ideia do que é fazer música tradicional portuguesa...

2 – O disco foi gravado e produzido pelo Makoto Yagyu (If Lucy Fell) nos Black Sheep Studios. Como é que foi trabalhar com alguém mais novo e que tem outro tipo de background musical?
A relação com o Makoto foi boa e o facto de ter outro tipo de background musical constituiu uma mais valia para nós. Deu sugestões que contribuíram positivamente para o disco ficar mais “sumarento”. Na produção somos umas nódoas e necessitamos de ser bem encaminhados. De resto ficamos a dever-lhe uma garrafa de bom whisky que algum dia teremos que pagar...

3 – Este disco saiu muito mais Hardcore que os trabalhos anteriores, e com uns riffs de guitarra até mais “pesados”, embora mantendo aqueles sing-a-longs característicos da banda. Isto foi propositado ou o “input” dos membros mais recentes tem algo a ver com isto?
O Arlock Dias (Tiago) é neste momento o compositor principal dos Mata-Ratos e é um apreciador de metal e sonoridades mais pesadas, a produção do Makoto também contribuiu para esse resultado. Mas é sempre uma surpresa com as coisas resultam em estúdio. Quanto estamos na sala de ensaio as condições acústicas deixam algo a desejar e a coisa acaba por soar a punk “rafeiro”...

4 – “Novos Hinos Para A Mocidade Portuguesa” contém alguns temas mais atípicos, ou talvez não, ao som Mata Ratos, tais como “Uma Trilogia Portuguesa”, “Carreira De Sucesso” / “Os Pratos Da Balança (ambos com uma orientação mais Rock ‘n’ Roll que o habitual), “Entrecosto Emocional”, o solo Rock / Blues em “Outra Rodada”, a introdução linha Zeca Afonso (a nível musical) em “Inocente O Doente” (tema recuperado da demo de 88) ou a introdução “Learn Portuguese With António”. Como surgem estes temas ou experiências?
Não somos Talibans do punk. Será sempre para nós aquilo que quisermos. Escutamos música bastante diversificada o que acaba por nos influenciar e as propostas “bizarras” vão surgindo naturalmente. É algo que nos obriga a combater a inércia e o comodismo de recorrer ás formulas feitas e andar sempre a bater na mesma tecla. Não condenamos a prática mas não é a nossa cena. Também não esquecemos a nossa herança e os temas antigos estarão sempre presentes no nosso set porque nos dão gozo em tocar e a outros em escutar. Na medida em que a nossa competência técnica o vai permitindo, vamo-nos aventurando ao ataque a novas sonoridades. Daqui a trinta anos, se ainda por cá estivermos, se a figadeira, os pulmões ou os neurónios o permitirem, deveremos estar a fazer música erudita ou embrenhados num experimentalismo folk-nacionalista electro-acústico de vanguarda.

5 – Neste disco contam com a participação especial de Jorge Bruto dos Capitão Fantasma. Como é que surge esta colaboração? São fãs dos Capitão Fantasma, outra banda que, apesar de algo irregular em edições e actuações ao vivo, ao contrário de Mata Ratos, se mantém activa ainda hoje?
Já conheço o Jorge desde o inicio dos anos 80 e sempre tivemos uma boa relação. Enquanto compositor da letra achei que a voz dele se enquadrava que nem ginjas e a temática também não anda longe do universo explorado pelos Capitão Fantasma. Ele aceitou o convite e ainda bem. Quanto a ser fã nem por isso, não sou dado a fanatismos, mas respeito muito a obra e percurso dos C.F. Mas admiro sobretudo o Jorge como pessoa.

6 – Todo o artwork do disco é da autoria do Alexandre Bacala. Porque a opção pelo seu trabalho? Agrada-vos o resultado final?
O Bacala é um cromo das artes, um verdadeiro espirito renascentista. Já foi membro dos Mata-Ratos como baixista e baterista. Foi também um dos principais compositores de Mata-Ratos após a saída do Pedro Coelho. A maioria dos temas do “És um Homem ou És um Rato?” são fruto da sua inspiração. Como artista gráfico é também muito versátil. Foi ele que se ofereceu para trabalhar a arte neste CD e nos nem hesitamos em aceitar a sua oferta. 5 Estrelas.

7 – No cenário Punk e Hardcore as letras são tão ou mais importantes que a música. Que assuntos são retratados nas letras deste disco?
Para além das habituais odes etílicas e reflexões em torno dos viciosos hábitos e costumes nacionais que tudo entravam, abordam-se temas como a ineficaz justiça, o impotente sistema de saudade, o ridículo sistema educativo, o lixo televisivo e a psicose sexual como metáfora alimentar, por exemplo.

8 – Os vossos trabalhos têm sido lançados quase ao ritmo de um por editora. É assim tão difícil manter a banda numa única editora? Como é a vossa relação com a actual, a Rastilho Records, que também lançou o disco ao vivo “Festa Tribal” em 2005?
Difícil é que as editoras se mantenham em actividade ou que não tenham receio dos Mata-Ratos ou de editar a nossa música. Não somos muito “press friendly.” Também não nos agrada nem nos podemos dar ao luxo de ter amarras e sinceramente creio que as editoras são uma espécie em vias de extinção, que provavelmente com o tempo serão substituídas por outro tipo industria como os operadores de telemóveis. A relação com a Rastilho é boa e consideramos esta editora como um referencial a ter em conta e a louvar em termos de promoção e divulgação das bandas que edita, coisa rara entre as editoras com as quais os Mata-Ratos já trabalharam. A atestar isso está o facto de este não ser o primeiro disco dos Mata-Ratos a sair pela Rastilho.

9 – A banda tem passado por diversas mudanças de formação durante todos estes ano e, inclusive, neste momento tem músicos que vivem em diferentes locais do país. Como é que lidam com este tipo de situação, mudanças de formação e a actual separação geográfica dos músicos?
Sempre foi complicado mas isso é também um factor de motivação, nunca saber o dia de amanhã...Convivemos com a situação, para o bem e para o mal, só lamentos a nossa produção musical não ser o dobro ou o triplo do que actualmente conseguimos.

10 – Ao longo destes anos a banda tem feito fãs entre o público de diversas proveniências (Punk, Hardcore, Metal, etc), partilhando inclusive palco com bandas das mais variadas vertentes musicais. Vocês não são uma banda que, tal como muitas outras puristas do cenário Punk (e noutros cenários também é o mesmo), mantêm uma mente fechada e que só toca com bandas do mesmo género. Trata-se de uma questão de mentalidade, mente aberta, união, ou apenas querem é tocar, seja lá onde for?
É um pouco de tudo aquilo que referes, mente aberta, união e tocar seja lá onde for e com quem for desde que seja em eventos não políticos. Agrada-nos tocar com bandas que não se sintam incomodadas em tocar com Mata-Ratos. Não somos puristas e consideramos que reclamar alguma pureza musical no punk é ridículo, quando nasceu estava já a beber em outros géneros e estilos anteriores, mostrou-se sempre aberto á mudança, á hibridez musical. O purista é revivalista, a nossa cena é outra. Nada de pureza, muita sujidade.

11 – Por falar em tocar ao vivo, como é que têm corrido os concertos de suporte a este disco?
Correm bem, mas não serei a melhor pessoa para avaliar a situação, tem sido escassos, não por falta de convites – ficamos surpresos com a quantidade de propostas para tocar após o lançamento dos “Novos Hinos” - mas porque de momento estamos com problemas pessoais que nos impedem de levar um pouco de caos a quem dele tanto necessita. Mas a situação está em vias de resolução e em breve a demência estará novamente na estrada.

12 – A banda tem diverso material editado, tais como splits, 7”s, demos, tributos, e outros, que são extremamente difíceis de adquirir pelo público. Até mesmo alguns álbuns já estão esgotados ou são dificílimos de encontrar. Sei que é algo difícil, por questões de direitos de autor e registos fonográficos, mas já pensaram em reeditar algum desse material? Algo do género de um “Xu-Pa-Ki 1982-1997” parte II.
Sinceramente não sentimos essa necessidade. Apesar de o público não conseguir adquirir pode sempre fazer download da internet. Há sempre um ou outro blog que vai postando a nossa obra. Não combatemos, agradecemos. Preferimos perder tempo a lançar novo material. O facto de a obra estar espalhada por uma mão cheia de editoras também não facilita a realização de um projecto desse tipo. Poderíamos sempre gravar de novo os temas mas não nos vejo a embarcar nessa aventura. Gravar ao vivo ou editar um DVD parece-me mais provável acontecer.

13 – Como é que vês a cena Punk / Hardcore / Metal nacional actualmente? Que bandas, editoras, promotores, revistas, etc, te chamam a atenção?
Ando muito desligado e já á algum tempo que deixei de ir a concertos. Limito-me praticamente as bandas que tocam com Mata-Ratos e aos concertos das outras bandas dos actuais Mata-Ratos. Parece-me ter havido um amadurecimento, bandas tecnicamente mais competentes, sobretudo no universo do Metal em que bandas como Web, Painstruck, Wako ou Holocausto Canibal causam-me admiração. Do Punk agradam-me bandas como Fora de Serviço, Anti-Clockwise, Hellspiders, Pestox e Eskizofrenicos. A minha banda portuguesa de eleição são os Bunny Ranch. Das editoras a Rastilho parece-me estar bem. Não conheço o trabalho de outras. Quanto a promotores continuo a preferir auto didactas amantes de música que se aventuram para a levar ao vivo a lugares onde sem eles ela nunca chegaria. A HellXis de Lisboa, a Cooperativa de Otários do Porto, O Rodas do Portorio, o Rocha Produções de Mangualde ou a Spear Agency de Cascais, entre outros, parecem-me estar a fazer um bom trabalho em tornar a passagem por Portugal uma etapa regular do circuito europeu de música underground.

14 – Já agora, a pergunta de cariz político. Directo e simples: como vês a situação do país hoje em dia (emergências hospitalares a serem fechadas, baixas recusadas a doentes extremos, investimento em estádios de futebol novos e caríssimos, o estado do serviço de educação escolar, a contínua e inabalável crença em Fátima, a típica mentalidade Portuguesa, etc)?
Como o comum “zé da esquina” que sou, vejo sempre o quadro pintado em tons de cinzento escuro a mandar para o encardido. Não prevejo mudanças positivas se não houver uma revolução de mentalidades. Algo que só será sensível após algumas gerações mas que tarda a começar. Portugal está demasiado amarado ao seu passado, de uma forma algo doentia. Muita gente continua presa a visões messiânicas de que Portugal tem um papel especial a desempenhar no mundo e ficam á espera que um gajo de colants que desaparecer em Alcácer Quibir volte para salvar a malta ou que venha o Quinto Império que nos afirmará perante o resto do mundo. Portugal tem um papel a desempenhar no mundo como qualquer outro país, não é mais nem menos do que os outros. Portugal não tem nada de especial. Há que esquecer toda essa trampa e as visões saudosistas, começar a trabalhar BEM e deixar de lado as lamurias. É bom ser português. Ponto final, agora ao trabalho. Convém também que os políticos passem a ser punidos pelas péssimas opções que tomam em nome do povo português. Pelo que vemos, são é paradoxalmente recompensados com louvores, reformas e benesses que não lembram ao diabo ou ao menino Jesus. E nós a vê-los passar. Esta mentalidade é que tem que mudar. Temos que ser todos socialmente mais responsáveis. Esperanças? Nem por isso.

15 – E em relação ao resto do mundo? A “polícia do mundo” USA e o Bush; o Iraque; o Hugo Chavez e a Venezuela e a sua actual ligação a Portugal; a União Europeia, etc.
O mundo caminha para o abismo o que até me parece um bom desfecho para a humanidade. Afinal não é o homem o animal mais estúpido do planeta? Já extingui-mos quase todas as outras espécies animais e vegetais, por isso que a espécie humana morra depressa. Não vai deixar saudades.

16 – Que discos tens ouvidos ultimamente que recomendes? E filmes? E livros?

Estou a viver um período da vida sobrecarregado (trabalho, aulas, banda, família) e quando chego a casa não oiço música, limito-me a cair e dormir com a boca para o lado a soltar baba. Só no carro escuto música que passa muito pelos anos 60 e 70. Especialmente Soul e Rhythm and Blues. Tudo o que venha da Stax/Volt já faz o meu dia feliz. Algum Funk e Boogaloo também entram bem. Os primeiros discos dos Beach Boys, “Surfin Safari” e “Surfin USA”, quando ainda faziam música Surf com classe, também estão no meu top de escutas. De música portuguesa rodam Taxi, o álbum “Forte e Feio” dos NZZN, uma compilação de singles dos UHF, As “Trips a Moda do Porto” dos Trabalhadores do Comércio, uma compilação de singles da Adelaide Ferreira. O mais pesado de momento será o CD “Run for Cover” dos Pro-Pain e o Live in a World Full of Hate” dos Sick of It All. De punk uma compilação dos Operation Ivy, de metal um álbum de Blitzkrieg, não me recordo agora qual. Tenho também escutado música tradicional/popular de cariz rural. Também roda a compilação “Easy Tempo Vol.2. The Psycho Beat” com temas de bandas sonoras de filmes italianos dos anos 70, o “Live At The Club A GoGo” dos The Animals, compilações “manhosas” de Suzi Quatro e Sweet; o “Ready an’ Willing” dos Whitesnake, o “Attack of the Killer B’s” dos Anthrax, e diversas compilações da “Funky 16 Corners Radio”, blog excepcional de música funk e soul. A maioria da música que escuto no carro são no suporte CDR com músicas sacadas na net, sobretudo em blogs de música. Continuo a comprar CDs e vinil regularmente de diferentes géneros e estilos musicais.
Filmes não tenho visto grande coisa nos últimos meses, nem vídeos ou DVD’s. Os últimos que me recordo de ver foram “The Beach Boys. The Lost Concert”, um concerto ao vivo nos anos 60 quando eles estavam no seu melhor e “Respect Yourself. The Stax Records Story” um documentário sobre a editora e os seus músicos. A televisão provoca-me um efeito soporífero pelo que pouco a vejo, sobretudo limito-me aos noticiários e documentários.
Quanto a livros ando a ler e recomendo “The Study of Ethnomusicology. Thirty-one Issues and Concepts” de Bruno Nettl, “Vozes do Povo. A Folclorização em Portugal” organizado por Salwa Castelo-Branco e Jorge Freitas Branco, “ “Babylon’s Burning. From Punk to Grunge” de Clinton Heylin, “Ilmatar’s Inspirations. Nationalism, Globalization, and the changing soundscapes of Finnish Folk Music” de Tina Ramnarine e “Memórias do Rock Português” de Aristides Duarte.

17 – Que projectos têm para o futuro próximo?
Já estamos a trabalhar num novo disco, incluirá uma série de temas antigos de Mata-Ratos que nunca tiveram a oportunidade de um registo em estúdio e um par de novos temas. Há planos para um DVD.

18 – Tens agora espaço para deixar uma última mensagem aos leitores do Fénix.
Que o gosto pela música nunca vos abandone. E que a cerveja nunca se acabe, claro.

Questões: RDS
Respostas: Miguel (Voz)

1 comment:

Unknown said...

PROXIMA SEXTA DIA 30 AO VIVO NO BAR ALFA...(A-DO-BARBAS /LEIRIA)

www.myspace.com/baralfa

tel: 91 4500 679