ENTREMURALHAS 2017 – FESTIVAL GÓTICO
VIII EDIÇÃO – 24, 25, 26 AGOSTO
CASTELO DE LEIRIA
A 8ª edição do
festival gótico Entremuralhas
regressou novamente Castelo de Leiria nos passados dias 24, 25 e 26 de Agosto.
Depois de três cancelamentos e da associação cultural Fade In ter visto à prova
a sua resistência, o festival arrancou em força como previsto. De louvar a
perseverança de Carlos Matos e da Fade In. São poucos os que hoje em dia o
fazem por amor à causa.
Diariamente
apenas é permitido um total de 737 pessoas no recinto. Esta é uma imposição que
evita danos de maior no interior do Castelo de Leiria. Acaba por servir também
como questão estética e confere um carácter mais intimista ao festival. O
próprio ambiente em que se enquadra, o Castelo de Leiria, confere um ambiente
único que não se encontra noutro festival.
No dia 24 as
actuações decorreram apenas no palco corpo. O espanhol Ramos Dual iniciou a celebração pelas 21 horas. O baterista de
projectos como Beggar’s House, La Inesperada Sol
Dual e Malparaíso trouxe na bagagem a sua mais recente proposta "DrumSolo”, um álbum
de Techno-Punk Lo- fi a solo e centrado na
bateria. Ao vivo fez-se acompanhar pela sua Pupila e os visuais de Lämpara. O
aquecimento para os 3 dias estava feito.
Cerca de 1 hora depois é a vez de subir ao palco Bestial Mouths. O quarteto oriundo dos
EUA pratica uma fusão de electro-goth, industrial e post-punk com vocalizações
reminiscentes de Diamanda Galás, Siouxsie Sioux ou
Lydia Lunch. Tal como no anterior projecto, também aqui as projecções vídeo têm
um papel preponderante. Uma actuação irrepreensível e que soube a pouco.
Aguarda-se uma segunda vinda ao nosso país a nome próprio.
Passava pouco das 23 horas quando os franceses Position Parallèle subiram ao palco. O
duo pratica um synthpop minimal de orientação 80s vocalizado na língua materna.
Geoffroy Delacroix (dos Dernière Volonté) e o
fotógrafo Andy Julia (Soror Dolorosa, Dernière Volonté) apresentaram assim o seu 3º e mais recente trabalho “En Garde À
Vue”. A sonoridade dançável e melódica com refrões cativantes deixou o público
do Entremuralhas a dançar. Uma prestação extremamente positiva que fez o projecto
ganhar mais alguns fãs.
Por volta da
meia-noite subiram ao palco os portugueses Pop
Dell’Arte. Há já algum tempo afastados dos palcos e das edições (salvo um
par de prestações ao vivo) a banda liderada por João Peste trouxe a Leiria um
concerto antologia que percorreu as três décadas de existência. Houve tempo
ainda para material novo a figurar no novo disco de estúdio que está a ser
preparado. “Querelle”, “My Funny Ana Lane”, “La Nostra Feroce Volontà D'Amore”,
“Sonhos Pop” ou “Rio Line” forma alguns dos temas que se fizeram ouvir. O ponto
alto do primeiro dia do festival.
No dia 25 já
tivemos direito a actuações nos três distintos palcos. Pelas 18 horas as
festividades iniciaram no palco da Igreja da Pena. Simone Salvatori dos Spiritual Front apresentou-se a solo, mundo
apenas da sua guitarra, e em formato acústico interpretou temas da sua banda de
origem em toada Folk. Será difícil descrever a prestação do mesmo pois a
limitação física da Igreja da Pena não permite um grande número de
espectadores. Entre umas espreitadelas de lado e o som que se ouvia do lado de
fora, conseguiu-se captar o tom intimista da prestação do músico Italiano.
Ao mesmo palco
subiu o duo francês Dear Deer com o
seu post-punk de contornos electrónicos e influência no-wave NY e industrial.
Formados em 2015 traziam na bagagem o seu álbum de estreia ”Oh My…” e que
serviu de mote para a sua prestação. Mais uma vez, e pelo motivo acima
descrito, será difícil explanar o que são os Dear Deer em palco, mas o ambiente
geral e recepção por parte do público foi positiva.
Da Igreja da
Pena partimos para o palco secundário chamado de Palco Alma. Este foi um ano de
estreias em Portugal, sendo também este o caso do trio francês Bärlin com a sua música negra e densa
de forte componente jazzística e cabaret, inspirada em nomes como Tom Waits,
Morphine, Nick Cave ou Tuxedomoon. A sua inclusão no cartaz do Entremuralhas
poderá ser algo estranho mas, é mesmo desta diversidade de sonoridades que vive
o festival.
Depois dos
franceses foi a vez de um dos nomes mais fortes do cartaz, os veteranos In The Nursery, liderados pelos gémeos
Humberstone. Desde 1981 a destilar música neoclássica / dark wave / martial de
contornos cinemáticos. O que se poderá dizer de uma banda veterana em palco?
Algumas perdem a vitalidade e a urgência. Não é o caso destes britânicos que
ainda estão em boa forma e se recomendam vivamente. Outro dos pontos altos do
festival.
Já no palco
principal, denominado de Palco Corpo, os franceses Vox Low apresentaram a sua fusão de electrónica dançável,
psicadelismo e krautrock dos 70s. Com influências tão diversas como Suicide, Bauhaus,
Joy Division, The Cure, Can ou Neu é outra prova da diversidade saudável do
festival, provando que gótico não é apenas um estilo definido de música, mas um
estado de espírito. Não foi a minha prestação favorita, mas tem apontamentos
interessantes e foram bem recebidos pelo público presente no castelo de Leiria.
A fechar o
segundo dia o, também francês, James “Perturbator”
Kent. Synthwave de inspirações 80s e cyberpunk com um forte estilo cinemático
foi o que Perturbator nos apresentou. Em termos visuais não vejo muito
interesse numa única pessoa em cima de um palco com o olhar constantemente nos
sintetizadores. Torna-se algo impessoal e pouco apelativo ao sentido visual. No
entanto, a música agrada, e foi isso que se fez sentir. Uma atmosfera de festa
e dança.
O último dia
de festival iniciou de novo na Igreja da pena com os espanhóis Àrnica. Folk Ibérico de contornos
ritualistas e uma forte componente visual. Volto a remeter para o reduzido
espaço disponível na Igreja que não permitiu assistir em pleno à actuação desta
e da banda seguinte. Sendo o único projecto do género no cartaz serviu para
“aliviar” da componente electrónica que premeia o festival.
Seguiram-se os
Gregos Selofan. Duo composto por Dimitris Pavlidis e Joanna Badtrip, responsáveis pela
editora Fabrika Records. Post-Punk / Darkwave gélida e minimalista foi o que
nos apresentaram através dos temas dos seus três discos, sendo o mais recente
“Cine Romance” deste ano de 2017. Não conhecia mas gostei da componente musical
e, do pouco que consegui ver em palco, também me agradou a sua prestação.
Aguardo com expectativa mais uma vinda dos Selofan a território nacional.
Este ano de 2017 está a marcar o regresso com força do
fadista Paulo Bragança. Depois de na
década de 90 ter editado quatro discos e, infelizmente como é habitual em Portugal,
a sua forma arrojada e vanguardista de encarar e interpretar Fado não ter sido
bem aceite pelo público, imprensa e pares da indústria, este fez um retiro de
vários anos na Irlanda. A prestação no
Palco Alma do Entremuralhas 2017 veio demonstrar que Paulo Bragança está de
volta e com vontade de reclamar o seu lugar na música em Portugal. Além de temas
dos discos anteriores, houve tempo para temas novos a incluir no próximo
registo de originais, assim como a versão de “Soldado” dos Sitiados (dedicada à
memória de João Aguardela), e o tema “A
Névoa“ (colaboração com Carlos Maria
Trindade para ”Onda Sonora: Red Hot + Lisbon” em 1998). Foi sem dúvida a minha prestação favorita de todo o
festival. Como já li numa das notas de imprensa do festival, e concordo
especialmente, se existe fado gótico, estamos perante o seu expoente máximo.
O último nome a pisar o Palco Alma veio da Suécia. Nicole Sabouné apresentou-se em formato
de quinteto e apresentou temas dos seus dois discos de originais. Foi o único
projecto deste ano com uma toada mais roqueira, o que me agradou imenso.
Musicalmente encontram-se influências de nomes como Cocteau Twins, Dead Can Dance, Siouxise And The Banshees e até mesmo
The Gathering na sua fase mais experimental. A nível vocal Nicole apresenta
registos próximos de Siouxsie Sioux ou Lisa Gerrard. Outra das surpresas do
festival e que espero voltar a ver ao vivo noutra ocasião.
Já no Palco Corpo e preparados, ou não, para a
descarga que se seguiria. Os alemães Atari
Teenage Riot foram uma das últimas aquisições para o cartaz do
Entremuralhas. Poderia parecer um nome algo desenquadrado do carácter mais dark
do festival mas, se dúvidas haviam, estas dissiparam-se durante a actuação dos
mesmos. Pecou apenas pela curta duração e a falta de alguns temas emblemáticos
como “Atari Teenage Riot”; “Too Dead For Me” ou “Revolution Action”. Focaram-se
muito nos últimos trabalhos e material menos abrasivo. De qualquer modo, a
força e irreverência esteve lá. Gostei imenso mas soube a pouco.
A fechar com chave de outro, os veteranos Front Line Assembly. A fazer a sua
estreia em Portugal, o projecto Canadiano liderado por Bill Leeb (ex-Skinny
Puppy) e Rhys Fulber, aliados a Michael Balch (FLA, Revolting Cocks, Ministry),
trouxeram 30 anos de electro-industrial ao Castelo de Leiria, com um som pesado
de vertente Rock mas dançável, e que pôs o público a mexer. Não poderia ter
melhor cabeça de cartaz a encerrar a celebração de 3 dias.
Para o ano, sem dúvida, há mais. Entretanto vão
ficando atentos às actividades da Fade In, que não se resumem ao Entremuralhas,
mas a um sem fim de ideias interessantes que valem a pena seguir.
Texto: Ricardo dos Santos
Fotos: Carlos Palavra I CAPhoto Formação