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The Joy Of Nature - Entrevista

1 – Fala-me um pouco da história dos The Joy Of Nature desde a sua concepção até à data.
A ideia inicial para The Joy of Nature and Discipline surgiu em 1997, mas só começou a tomar forma musical em 1998. Em 1999, por convite da Reaping Horde, gravámos dois temas para a compilação "The Nemeth". Surgiu da parte da mesma editora o convite para um álbum, que foi lentamente gravado no período entre 2000 e 2002 e editado em 2003. No final de 2005, ao mesmo tempo que surgiu a oportunidade da reedição de "The Fog that Life Is Haunted By" pela Bunkier Productions, decidimos recriar o projecto, utilizando mais instrumentos acústicos e muitos menos samples e sintetizadores; o conceito, com a redução do nome não sofreu propriamente uma alteração, apenas se tornou menos enevoado. Em 2006 editamos o single em vinilo "The Shepherd's Tea at 7" pela americana Litte Somebody Records, seguido em Dezembro pelo mini-álbum "The Shepherd's Tea", editado inicialmente em número de 21 exemplares, cada qual com uma pintura original diferente, depois editado em mp3 pela Woven Wheat Whispers. 2007 foi um ano em que apenas editamos alguns temas em compilações. Desde 2006 que estamos a preparar a trilogia "The Empty Circle/O Círculo Vazio".
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2 – No vosso website apresentam The Joy Of Nature como um projecto multimédia que tem a música como base. Queres desenvolver um pouco esta descrição e referir quais são os outros domínios do projecto para além da vertente musical?
Os outros domínios, fora o musical, têm sido essencialmente a pintura e a escrita, tendo havido uma edição nossa – "The Shepherd's Tea" – acompanhada de um conto. A fotografia e o vídeo poderão também ser utilizados a seu tempo. Tudo gravita sempre à volta da música, mas muitas vezes torna-se importante complementá-la com outras formas de arte.
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3 – “Nature rejoices in Nature, and nature contains Nature”. Esta, segundo apresentado no vosso website, é uma das influências na designação do projecto, que anteriormente se apelidava de The Joy Of Nature And Discipline. Fala-me um pouco da origem do nome do projecto e o porquê da mudança/simplificação do nome.
A mudança de nome deu-se a uma certa mudança de sonoridade (mais acústica) e também a um maior enfoque na componente hermética do projecto. "Nature contains Nature and Nature rejoices in Nature" foram palavras retiradas do livro hermético "Turba Philosophorum". Temos interesse na tradição hermético-alquímica que foi das últimas formas "Tradicionais" a desaparecer (se bem que não completamente) no mundo ocidental, apesar de não ser exclusiva deste. Mas em que consiste a tradição hermético-alquímica? Os seus símbolos e ensinamentos são extremamente complexos e, essencialmente, codificados, devido não apenas à inquisição/censura, como também por forma a afastar as massas dela.
O nosso interesse por aquilo que hoje é apelidado de "esotérico" não se fica por aí: temos interesse pelo ioga tântrico, pela literatura cavaleiresca medieval, pelo taoísmo e budismo chan, etc. Porque há uma unidade em tudo isto. Não se trata de uma miscigenação de diversas representações tradicionais, mas sim da procura da sua essência.
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4 – Quais são as vossas influências musicais, literárias, artísticas, cinemáticas, ideológicas / filosóficas, e de outras proveniências?
Das musicais falaremos adiante. Quanto às literárias, autores como Julius Evola, René Guénon, Mircea Eliade, Ernst Jünger, Gustav Meyrink, Yukio Mishima e William Blake dizem-nos muito. Recolhas de contos tradicionais, textos herméticos e alguns clássicos religiosos (no sentido de re-ligação ao divino), como o "Tao Te Ching", fazem parte das nossas leituras frequentes. Em termos de cinema, as nosssas preferências dirigem-se a realizadores como Andrei Tarkovsky, Ingmar Bergman, Stanley Kubrick, David Lynch e primeiros filmes de Peter Weir.
Não nos enquadramos propriamente numa determinada ideologia ou concepção filosófica. A maior fonte de inspiração são as experiências individuais, os fragmentos da Tradição que, por aqui e ali ainda se encontram, na maior parte das vezes já desvitalizados e, quando raramente aparecem, as experiências supra-individuais.
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5 – Descreve os processos de composição e gravação dos vossos trabalhos.
Costumamos ir compondo, gravando e, às vezes, até misturando, ao mesmo tempo. Gostaríamos de no futuro proceder a uma divisão entre as várias fases, mas é difícil alterar hábitos já bastante enraizados. As ideias para os temas surgem, aparentemente, de coisa alguma e vão-se revelando aos poucos.
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6 – Estes lançamentos são típicos do universo musical no qual vocês se inserem. Edições limitadas, com um carácter DIY, e com um cuidado especial na apresentação dos mesmos. Toda esta componente artística, estética e, até, ideológica é importante na banda?
Tentamos encarar a arte de uma forma o menos possível comercial. Por um lado, temos edições em quantidade (que permitem que o trabalho chegue às pessoas que nele possam sentir algo de especial), e outras em qualidade, edições em que cada exemplar é diferente. Este aspecto não possui necessariamente um carácter ideológico para lá de nos recusarmos a que o nosso trabalho seja considerado como um produto.
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7 – Além dos vossos trabalhos a nome próprio têm visto os vossos temas incluídos em diversas colectâneas. Como é que surgem estas participações?
Até ao momento todas surgiram através de convites. A participação em compilações não só é uma boa forma de apresentar, de forma breve, o nosso trabalho, como também de editar temas que não se enquadram nos trabalhos que, em dado momento, estamos a realizar. Porque todos os nossos trabalhos têm um conceito, mesmo que não facilmente perceptível.
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8 – Existem apresentações ao vivo (ou de outro tipo) ou The Joy Of Nature é apenas um projecto de estúdio?
Quando as condições certas existirem contamos fazer apresentações ao vivo, mas com arranjos diferentes dos dos discos. Não nos agrada utilizar bases pré-gravadas em concertos, preferimos optar por não usar electrónica nos concertos, o que torna mais difícil reunir as condições necessárias. Outro tipo de apresentações deverão surgir brevemente.
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9 – Estão a preparar a trilogia “The empty circle / O círculo vazio”, cuja primeira parte (“Swirling lands of disquiet and catharsis – A theatre lost in the vast abyss of starry skies”) está quase pronta. Fala-me desta trilogia. Qual é o conceito por detrás da mesma?
Temos estado a trabalhar nesta trilogia há quase dois anos, praticamente todos os dias. A trilogia divide-se em três partes, sendo cada uma delas relacionada com as três principais fases da obra hermética: Nigredo, Albedo e Rubedo. O primeiro disco será mais psicadélico e experimental, enquanto que o segundo será mais "folk"; o terceiro não será um disco muito fácil de descrever, mas podemos adiantar que denotará algumas influências orientais. Não diremos mais sobre a trilogia. Depois, cada um, a partir dela, fará as suas interpretações e buscas individuais. É o que valoriza a criação artística nos dias que correm, ou talvez, nos que sempre correram.
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10 – Além de The Joy Of Nature existe ainda o projecto paralelo Post Crash High, o qual já tem um disco editado, “The apocalypse came yesterday and no one noticed”, que, além da parte áudio, contém diversos elementos multimédia. Fala-me deste projecto numa panorâmica geral.
Enquanto The Joy of Nature consiste num olhar dirigido ao interior, Post Crash High olha para fora. Daí o uso predominante, neste último projecto, de sons electrónicos. Depois de Post Crash High, tornou-se natural o regresso de The Joy of Nature, como a alternativa interior ao mundo apocalíptico descrito por Post Crash High.
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11 – Como vês a evolução da cena Underground nacional desde que nela entraste até hoje? Que bandas, editoras, promotores de concertos, revistas e outros da cena musical podes realçar? E de quais já extintos tens saudades?
Nunca senti que The Joy of Nature tivesse entrado numa "cena".
Gostamos e temos afinidades com Sangre Cavallum, com os quais tem havido colaborações mútuas, Triarca são um projecto a ter em atenção, Karnnos e Wolfskin continuam com trabalhos muito interessantes mas, fora os artistas referidos, ouvimos principalmente música folk portuguesa – Gaiteiros de Lisboa, Galandum Galandaina ou Zeca Medeiros. Também dedicamos algum tempo a ouvir recolhas de música "folk" portuguesa, transmitida de geração em geração. A nível de editoras, foi uma boa notícia o aparecimento da Folcastro. Sentimos saudades da Forgotten Blood e de outras pequenas editoras de cujos nomes já não nos recordamos, mas que foram capazes de criar um verdadeiro "underground" sem interesses comerciais. A Robur foi uma publicação interessante, mas não tenho seguido, desde há muito tempo, revistas e promotores de concertos.
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12 – E fora de Portugal? Que nomes te chamam a atenção hoje em dia?
Musicalmente, apreciamos muito artistas como Current 93, Vashti Bunyan, The Pentangle, The Chieftains, Coil, Swans, Nico, Michael Cashmore/Nature and Organisation, Luciano Cilio, Arvo Part, primeiros trabalhos de Alan Stivell e Milladoiro. Os nossos gostos são um pouco ecléticos e abrangem desde a folk à música medieval e clássica, a experimentais, como os já referidos Coil, e Nurse With Wound, como também a algum rock, como a Joy Division ou os primeiros discos de Sonic Youth.
Estivemos recentemente num concerto de Stephan Micus, cujo trabalho já conhecíamos e admirávamos, e ficamos deslumbrados.
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13 – Tens agora espaço para deixar uma última mensagem aos leitores da Fénix.
Sat Nam.
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Questões: RDS
Respostas: Luis Couto
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